Como a física e a matemática ajudam a explicar a polarização política

Nova pesquisa examina como influências sociais afetam a formação de opinião

Grupos de manifestantes contra e a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2016, dia da votação na Câmara, na Esplanada dos Ministérios. Foto: Juca Varella/Agência Brasil

Grupos de manifestantes contra e a favor do impeachment de Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2016, dia da votação na Câmara, na Esplanada dos Ministérios. Foto: Juca Varella/Agência Brasil

A física, como ciência que estuda a natureza e seus fenômenos, se debruça sobre uma infinidade de temas. Nessa vastidão, contudo, há um sistema particularmente difícil de analisar: a sociedade. 

Faz sentido. Não se trata de uma certa quantidade de gás em que cada átomo ou molécula é muito parecido um com o outro. A sociedade é composta de elementos únicos, capazes de pensar racionalmente e dotados de emoções e, além disso, com uma miríade de interconexões entre eles.

Foi-se o tempo em que as interações na sociedade eram preocupação apenas das ciências humanas ou ciências sociais aplicadas, esse é também o foco da área conhecida como sociofísica.

Um exemplo da efervescência dessa área são os estudos dos pesquisadores David Sabin-Miller e Daniel M. Abrams, do Departamento de Ciências da Engenharia e Matemática Aplicada da Universidade Northwestern (EUA).

A pesquisa saiu recentemente na Physical Review Research, e mostra o desenvolvimento de um modelo quantitativo — ou seja, com base em fórmulas matemáticas —  que captura como ambientes politizados afetam a formação e evolução da opinião política nos Estados Unidos. Um modelo matemático é a tentativa de, com base em certos parâmetros, e suas relações em um determinado cenário, produzir uma projeção do que pode vir a ocorrer.

No caso, o modelo dos cientistas da Northwestern separa as dinâmicas de opinião em dois momentos: percepção e reação. Primeiro, os indivíduos têm contato com um “pacote” (calculado usando probabilidades) de experiências políticas que dependem de sua ideologia pregressa e/ou partido.

Depois disso, chega a hora em que essas percepções desencadeiam uma reação dos indivíduos. Assim, o modelo captura o ciclo que abrange as crenças correntes dos indivíduos, a fração enviesada do mundo político com a qual eles têm contato e, como resultado do processo, a atualização de suas crenças.

Imagem: Reprodução

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"As redes sociais fazem com que as pessoas percam, por escolha própria, a chance de enxergar o mundo por outros pontos de vista, o que perpetua um viés de confirmação da visão de mundo de seus usuários"

André Martins (USP)

O Facebook é a rede social mais utilizada no Brasil para o consumo de notícias, aponta o Instituto de Estudos de Jornalismo da agência Reuters. Foto: Brett Jordan/Unsplash

O Facebook é a rede social mais utilizada no Brasil para o consumo de notícias, aponta o Instituto de Estudos de Jornalismo da agência Reuters. Foto: Brett Jordan/Unsplash

Um dos aspectos mais inovadores do novo modelo, uma equação matemática, é a sensibilidade dele à forma como os diferentes grupos interagem entre si e geram o fenômeno conhecido como polarização política. 

Essa equação foi desenvolvida com o objetivo de captar a tendência que as pessoas têm de serem mais receptivas à informação transmitida por aqueles considerados aliados. Segundo os pesquisadores, a exposição a alguns conteúdos externos aos grupos que as pessoas pertencem pode, em alguns casos, aumentar o distanciamento, ou seja, a polarização no caso de um pequeno grupo de opiniões mais extremas.

Renato Vicente, professor de Matemática Aplicada na Universidade de São Paulo (USP) e cientista de dados no Experian DataLabs, afirma que nem sempre as pesquisas em dinâmicas de opinião estão voltadas para o trabalho com dados do mundo real (como é o caso do artigo da Northwestern). “Muitas vezes os trabalhos são feitos para entender que tipo de informação é importante, o que você eventualmente poderia medir, que dados poderia coletar. Com isso, é possível imaginar quais são os mecanismos que podem estar por trás do fenômeno”, ele explica.

Ao entender que tipo de fatores contribuem para a polarização e para o extremismo, como tamanho do grupo, nível de radicalização, frequência de exposição a outras opiniões, entre outros, e, com isso, testar intervenções na sociedade de modo a evitar que esses fenômenos indesejados ocorram. 

Vale notar que sempre há um nível de incerteza associado a esses resultados.  André Martins, físico e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP explica que a incerteza de estudos em sociedades humanas tende a ser especialmente grande. “Isso não quer dizer, no entanto, que esse tipo de pesquisa não melhore o nível de conhecimento sobre esse fenômeno, pelo contrário”.

Segundo o Digital News Report 2020, relatório elaborado pelo Instituto de Estudos de Jornalismo da agência Reuters, as redes sociais sozinhas superaram a televisão como fonte para consumo de notícias pela primeira vez no Brasil. Seu papel no modo como e sobre o que nos informamos, interagimos e vivemos não é mais surpresa, e tanto físicos como cientistas sociais têm acompanhado de perto essa transição.

As redes sociais fazem com que as pessoas percam, por escolha própria, a chance de enxergar o mundo por outros pontos de vista, o que perpetua um viés de confirmação da visão de mundo de seus usuários, explica Martins.

Os modelos de dinâmicas de opinião foram ficando cada vez mais complexos ao longo dos anos. Um avanço foi a capacidade de adotar novas variáveis, como as de vieses incorporados nas opiniões dos indivíduos, fator que ganhou relevância com a ascensão das redes sociais e hoje é central no debate sobre formação de opinião.

O cientista político e professor da UFMG Bruno Reis diz que as ciências sociais podem dar um “salto qualitativo” a partir do bom aproveitamento da oferta massiva de dados que existe hoje. O avanço na compreensão dos fenômenos sociais pode ocorrer de forma ainda mais célere quando as diferentes ciências trabalham juntas, exatas e sociais. “É preciso pensar na divisão do trabalho, num sentido produtivo, no fato de que o conhecimento é obra coletiva”, diz.

Reportagem produzida durante o I Programa de Mentoria para Jovens Jornalistas da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência)