Sob Pazuello, Ministério da Saúde suspende site de checagem de notícias falsas

Coronavírus foi o tema de 73% das postagens de canal de verificação de boatos. Em julho, o site parou. Pasta diz que não havia novas demandas

Checagem sobre a hidroxicloroquina foi apagada do site 'Saúde sem Fake News'. Foto: reprodução\Youtube\Jair Bolsonaro

Checagem sobre a hidroxicloroquina foi apagada do site 'Saúde sem Fake News'. Foto: reprodução\Youtube\Jair Bolsonaro

Desde julho de 2020, quando o Brasil registrava 2 milhões de pessoas com Covid-19, o Ministério da Saúde não publica checagens de notícias falsas em plataforma criada para essa finalidade em 2018. Dados de quando o 'Saúde sem Fake News' estava ativo mostram que o coronavírus demandou muito da plataforma: de todas as checagens, 73% envolviam a Covid-19. O site, contudo, não é mais atualizado e a suspensão coincide com a gestão de Eduardo Pazuello, atual ministro da Saúde. 

Das 118 postagens feitas até novembro, apenas 4 são da gestão Pazuello; dessas, metade envolve seu nome e foram publicadas até julho. Depois, o site parou e uma checagem feita em gestão anterior sobre a hidroxicloroquina foi apagada (veja abaixo). Os dados são de levantamento feito para projeto de mentoria em Jornalismo Científico da Rede ComCiência. Monitoramos o ‘Saúde sem Fake News’ por um mês e analisamos todos os conteúdos de janeiro a novembro de 2020. 

Identificamos que metade das publicações do site datam de antes do dia 26 de fevereiro — quando o primeiro caso de Covid-19 no Brasil foi confirmado. No total, 90% das postagens ocorreram durante a gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, que deixou o cargo em 16 de abril. Depois, elas ficaram mais raras. Na gestão de menos de 1 mês de Nelson Teich, o site publicou 4 checagens. Sob o atual ministro, Eduardo Pazuello, a última foi ao ar no dia 17 de julho. 

Últimas postagens do site ‘Saúde sem Fake News’. Foto: Reprodução/Saúde sem Fake News

Últimas postagens do site ‘Saúde sem Fake News’. Foto: Reprodução/Saúde sem Fake News

O apagão do site aconteceu no momento em que ele seria útil: mentiras sobre a Covid-19 chegaram a pelo menos 9 em cada 10 brasileiros, e 73% acreditaram em algum boato sobre a doença e o vírus, de acordo com uma pesquisa do Instituto Avaaz. Além de necessário, o trabalho do ministério teria o interesse da população: o levantamento  constatou que 80% dos brasileiros gostariam de receber correções quando expostos à desinformação.

PARTE II | Serviço essencial e responsabilidade institucional

Dada a interrupção da plataforma e sua utilidade na pandemia, perguntamos ao Ministério da Saúde o motivo da suspensão das postagens. A assessoria declarou que desde junho "recebe muitos questionamentos sobre temas que já foram esclarecidos.” A resposta da pasta, contudo, não corresponde ao trabalho feito por outros serviços de checagem que continuaram a esclarecer novos boatos.

A Agência Lupa, por exemplo, verifica desde junho boatos sobre vacinas para Covid-19; uma dessas mentiras dizia que o imunizante poderia causar alterações genéticas, fake news que foi desmentida pela agência. Entretanto, por mais que a demanda do portal tenha dobrado por causa da pandemia, especialistas avaliam que é responsabilidade da maior autoridade sanitária do país o serviço de verificação de desinformação de saúde. 

“O Ministério da Saúde tem a responsabilidade de fazer a verificação das notícias falsas. Um serviço de checagem seria uma estratégia de combater possíveis efeitos da pandemia” avalia Ana Monari, que estudou a plataforma, e é doutoranda em Informação e Comunicação em Saúde na Fiocruz do Rio de Janeiro. A cientista considera preocupante a interrupção do serviço durante uma emergência sanitária. 

Na prática clínica, o serviço poderia ajudar profissionais de saúde. Durante a pandemia, o intensivista e infectologista Vinicius Santos relata que uma de suas tarefas foi desmentir boatos que ouvia de pacientes e familiares. “Esclareci fake news sobre a ivermectina, cloroquina e agora estou começando a ouvir mais mentiras sobre a vacina” relata.

“Esclareci fake news sobre a ivermectina, cloroquina e agora estou começando a ouvir mais mentiras sobre a vacina”

Vinicius Santos, infectologista

PARTE III | Plataforma apagou checagem sobre hidroxicloroquina 

A Hidroxicloroquina e a cloroquina foram os medicamentos mais citados em mensagens de desinformação no planeta, de acordo com um relatório da Agência Lupa. Apesar disso, a única checagem relacionada à hidroxicloroquina feita pelo Ministério da Saúde foi apagada. Essa história foi apurada pela revista Época.

A postagem foi feita inicialmente no dia 10 de abril, durante a gestão de Mandetta. Nela, o ministério classificou como desinformação uma mensagem que dizia que 100% de infectados pelo Sars-CoV-2 foram curados com hidroxicloroquina e azitromicina em 72 horas. Apesar da checagem estar correta, ela foi apagada no dia 20 de maio, na gestão de Pazuello, horas antes de o ministério lançar um protocolo permitindo o uso dessas substâncias até em casos leves da doença. 

Legenda: Publicação que foi apagada do site e das redes sociais do Ministério da Saúde. Foto: Reprodução/Revista Época

Legenda: Publicação que foi apagada do site e das redes sociais do Ministério da Saúde. Foto: Reprodução/Revista Época

Também perguntamos o motivo do ministério ter apagado essa publicação, mas o questionamento não foi respondido. Cabe lembrar que o Brasil está entre os países que não aderiram ao compromisso da ONU para diminuir desinformação durante a pandemia. O acordo foi assinado por mais de 130 países.  A Organização das Nações Unidas recomenda que os países tomem medidas contra a desinformação “de forma objetiva."

Reportagem produzida durante o I Programa de Mentoria para Jovens Jornalistas da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência)