Luz detectada em fusão de buracos negros intriga até estudiosos da área

‘Coincidência’ em observações independentes permitiu identificar fenômeno inédito que pode ajudar a compreender a dinâmica desses misteriosos objetos

Imagem: NASA Image and Video Library

Imagem: NASA Image and Video Library

A descoberta de flashes de luz emitidos pela fusão de dois buracos negros – objetos que, como o próprio nome indica, deveriam estar “no escuro” – pegou de surpresa até os estudiosos destes fenômenos. Embora físicos teóricos já tivessem proposto alguns cenários em que isso pudesse ocorrer, muitos astrônomos eram bastante céticos quanto à concretização destas propostas. 

Buracos negros são corpos celestes que se formam a partir do momento que uma estrela chega ao fim de sua vida. A gravidade que se forma nesse processo é tão grande que acaba “sugando” tudo o que está por perto, e nem mesmo a luz pode escapar. Como é impossível observá-los diretamente, os cientistas usam uma série de equipamentos e técnicas especiais para estudá-los através do impacto que eles causam em seu entorno.  

Foi a partir de uma combinação de técnicas que os pesquisadores conseguiram identificar os flashes de luz vindo da fusão de dois buracos negros. 

Primeiro, o Observatório de Ondas Gravitacionais de Interferômetro a Laser (LIGO), nos EUA, detectou perturbações causadas, possivelmente, pela colisão de dois objetos. Pouco mais de um mês depois, enquanto faziam um mapeamento robótico do céu no Zwicky Transient Facility (ZTF), do Caltech, outro grupo de cientistas identificou o que poderia ser uma explosão de luz de um par de buracos negros.

Ao analisarem os resultados, os cientistas se deram conta de que tanto as ondas gravitacionais quanto a luz vinham da mesma área do espaço.

Segundo o trabalho, publicado na revista “Physical Review Letters”, a hipótese mais provável é que uma dupla de buracos negros –ambos algumas dezenas de vezes maiores do que o Sol– estivesse orbitando um terceiro objeto deste tipo, que por sua vez tinha massa milhões de vezes maior do que a nossa estrela.

Imagem: NASA Image and Video Library

Imagem: NASA Image and Video Library

Ao se fundirem, os dois buracos negros menores formaram um novo e maior buraco negro, que teria experimentado uma espécie de “pontapé gravitacional” e disparado em uma direção aleatória. 

Se por um lado a luz não escapa dos buracos negros, a mesma coisa não acontece em uma certa região do seu entorno: o chamado disco de acreção, que é uma estrutura de materiais aquecidos, fica ao redor desses objetos.

No trabalho, os cientistas acreditam que, após a colisão, o novo objeto possa ter atingido o disco de acreção do buraco negro gigante.

Foi esse fenômeno que conseguiu ser captado pelos pesquisadores, explica a astrofísica Roberta Duarte Pereira, mestre no tema pela USP. “O buraco negro está girando muito rápido, e este gás acaba emitindo energia e brilhando ao redor do objeto, então é isso que a gente consegue ver”, explica.

Essas luzes só são possíveis de enxergar pois ainda estão rodando ao redor do disco de acreção que está brilhando. Ou seja: é o que está em volta do buraco negro e não chegou a cair nele ainda, pois ainda não alcançou o horizonte de eventos, reta final para qualquer objeto.

Na avaliação da pesquisadora, o importante é entender a dinâmica destes discos no espaço no momento em que ocorre a fusão dos buracos negros.

Outro ponto interessante do trabalho, de acordo com o também astrofísico e pela USP Fabio Cafardo, é justamente a questão do tamanho dos buracos negros envolvidos no fenômeno identificado pelos cientistas nos EUA. Na grande maioria dos casos, ou os buracos negros são gigantes massivos ou têm porte pequeno. No caso da luz “flagrada”, tratava-se de um buraco negro de massa intermediária. 

"O simples processo de estudá-los [os buracos negros] acaba criando a necessidade de desenvolvimento tecnológico"

Fábio Cafardo (USP)

No ano passado, pesquisadores viram pela primeira vez a "sombra" de um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia, Messier-87, a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra. Créditos: Event Horizon Telescope collaboration et al.

No ano passado, pesquisadores viram pela primeira vez a "sombra" de um buraco negro supermassivo no centro de uma galáxia, Messier-87, a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra. Créditos: Event Horizon Telescope collaboration et al.

PARTE II | Importância

O estudo de buracos negros está cada vez mais aprofundado e com relevância.

Em 2020, o prêmio Nobel de Física contemplou duas pesquisas sobre o assunto. Roger Penrose, da Universidade Oxford, recebeu a láurea juntamente com Andrea Ghez, da Universidade da Califórnia em Los Angeles, e Reinhard Genzel, da Universidade de Bonn e do Instituto Max Planck.

O trabalho de Penrose, segundo a academia sueca de ciências, descobriu que “a formação de um buraco negro é uma predição robusta da teoria da relatividade” elaborada por Albert Einstein. Uma ironia, já que o próprio Einstein duvidava da existência desses corpos supermassivos com capacidade de engolir a própria luz. 

Já Ghez e Genzel foram responsáveis por pela descoberta de Sagittarius A, o buraco negro supermassivo presente no centro da nossa galáxia.

Os buracos negros são estudados pela ciência há várias décadas, mas seguem sendo um grande mistério. Ainda não é possível calcular quantos deles existem, por exemplo. 

Há a possibilidade de estes objetos causarem surtos e outros colapsos no espaço. Portanto não basta apenas entender seu funcionamento individualmente, mas sim como parte de um sistema que pode interferir no grande equilíbrio do Universo. 

Compreender como sua dinâmica funciona é fundamental para melhor entender o próprio Universo. Para Fabio Cafardo, “o simples processo de estudá-los acaba criando a necessidade de desenvolvimento tecnológico”. 

Fusão entre buracos negros (simulação. Créditos: NASA's Goddard Space Flight Center

Fusão entre buracos negros (simulação. Créditos: NASA's Goddard Space Flight Center

Reportagem produzida durante o I Programa de Mentoria para Jovens Jornalistas da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência (RedeComCiência)